quinta-feira, 8 de setembro de 2016

O enigma da classe média no Brasil (Por Thiago Muniz)

"Diálogo urbano, no meio de um engarrafamento. Carro a carro.

– É nisso que deu, oito anos de governo Lula. Esse caos. Todo o mundo com carro, e todos os carros na rua ao mesmo tempo. Não tem mais hora de pique, agora é pique o dia inteiro. Foram criar a tal nova classe média e o resultado está aí: ninguém consegue mais se mexer. E não é só o trânsito. As lojas estão cheias. Há filas para comprar em toda parte. E vá tentar viajar de avião. Até para o exterior – tudo lotado. Um inferno. Será que não previram isto? Será que ninguém se deu conta dos efeitos que uma distribuição de renda irresponsável teria sobre a população e a economia? Que botar dinheiro na mão das pessoas só criaria essa confusão? Razão tinha quem dizia que um governo do PT seria um desastre, que era melhor emigrar. Quem pode viver em meio a uma euforia assim? E o pior: a nova classe média não sabe consumir. Não está acostumada a comprar certas coisas. Já vi gente apertando secador de cabelo e lepitopi como se fosse manga na feira. É constrangedor. E as ruas estão cheias de motoristas novatos com seu primeiro carro, com acesso ao seu primeiro acelerador e ao seu primeiro delírio de velocidade. O perigo só não é maior porque o trânsito não anda. É por isso que eu sou contra o Lula, contra o que ele e o PT fizeram com este país. Viver no Brasil ficou insuportável...
" (Luiz Fernando Veríssimo)

O brasileiro classe média, ano-base 2013, tem um pet. Não um gato, não um cachorro. Um pet. O brasileiro classe média puxa conversa sobre o pet com donos de outros pets: "Dois dão o mesmo trabalho que um. Só gasto mais em ração". Esse é um momento importante na vida do brasileiro classe média, pois pressupõe uma interação social que se desenvolve na calçada, ainda que estimulada pelas necessidades fisiológicas do pet. O brasileiro classe média quase nunca é visto na calçada, salvo quando entra e sai de seu carro.

O brasileiro classe média vai para a academia de carro. O brasileiro classe média tem um carro com insulfilme, "dá mais segurança, não se consegue ver direito quem tá dentro", pois bandidos costumam roubar carros com uma pessoa, mas não com duas, preferem carecas aos homens de bigode, e jamais se meteriam com alguém vestindo uma camisa havaiana. O brasileiro classe média pode ter um rosário pendurado no retrovisor do carro, mas ninguém lá do Céu emitiu uma opinião muito clara sobre ser errado usar a vaga do deficiente físico quando se está com pressa e parece muito complicado encontrar lugares nessa droga de estacionamento. O brasileiro classe média fura o sinal no domingo à tarde porque "não tá vindo ninguém".

O brasileiro classe média acredita em bairro planejado, brigadeiro gourmet e bufê-de-saladas-pratos-quentes-sushi-churrasco-ilha-de-massas-por-R$ 42,90. O brasileiro classe média nunca nega os caramelos e amendoins que a companhia aérea lhe oferece. Durante o voo, o brasileiro classe média não lê, dorme. Em solo estrangeiro, será reconhecido menos pelos maus modos do que pelos ostentosos e deslocados tênis de corrida, os quais, a seus olhos de brasileiro classe média, parecem adequados para qualquer ocasião.

O brasileiro classe média não faz, compra pronto. O brasileiro classe média não recebe em casa, mas no salão de festas do condomínio. A mulher brasileira classe média tem cabelo longo, liso e loiro. Ela é casada com o cara que gosta muito de camisas de times de polo e se acha 20 anos mais jovem do que realmente é (às vezes pelo simples fato de estar usando tênis de corrida). A mulher brasileira classe média vai ao salão fazer as unhas, ou chama a manicure em casa. E as manicures são obviamente as novas empregadas domésticas.

O brasileiro classe média pedindo pão no supermercado: "Me dá cinco. Bem clarinhos". O brasileiro classe média flagrado enquanto conduzia em alta velocidade: "Essa indústria da multa, vou te contar". O brasileiro classe média atendendo ao celular no meio do filme: "Alô? Tô no cinema! Me liga depois!" Senhoras e senhores, é muita jequice.

Vejamos: até o final de 2001, o Brasil estava acostumado com uma pirâmide social que segregava de direitos e oportunidades milhares de cidadãos. Frequentar restaurantes e cinemas não estavam previstos nos acordos coletivos destes brasileiros. Serviços como salões de beleza, petshops e celular eram observados com frequência apenas nas cenas das novelas globais, nas quais o mordomo fala mais de uma língua e sabe usar com muita desenvoltura o “hashi”.

Estes brasileiros sempre sonharam com a possibilidade de ascensão social, mas não uma ascensão que segrega seus vizinhos. Sonhavam com tempos melhores onde ele e sua família pudessem absorver um pouco daquilo que apenas os “mais abastados” estavam habituados: jantar em restaurantes, churrascarias, temakerias, sorveterias, caminhar com os seus “pet’s” pelos parques e calçadas das cidades sem constrangimento.

Comentar com os colegas sobre a peça nova que assistiu no Teatro ou mesmo sobre o filme que aguçou os comentários dos críticos de cinema viraram realidade neste Brasil com “data base 2013”. Mas o brasileiro desta nova e “emergente” classe média ousou ainda mais. Ousou em disputar espaços em aviões viajando com a sua família para destinos onde o português não é utilizado e as camisetas de clubes que circundam as ruas não são as do Internacional, do Grêmio ou de outros clubes, mas sim do “Bulls, Celtics, Yankes, Red Sox, etc…”.

O brasileiro classe média “data base 2013” deixou de ir no parque de diversões da sua vila, para frequentar a “Disney”, às vezes até indo com os pacotes da “Tia Iara” que ainda hoje continua parcelando no cartão de crédito as passagens dos filhos deste novo Brasil assim como fazia com os da “classe média com data base até 2010”.

Só que o que estes brasileiros da “nova classe média” não esperavam ter de lidar com velhos hábitos e preconceitos da velha classe média brasileira, incomodada por ter que dividir espaços antes “exclusivos” com estes moradores periféricos que vão à shoppings com tênis de caminhada e/ou ginástica e frequentam suas academias.

Há poucos anos, outro jornalista desta mesma empresa destilava todo o seu rancor com esta nova classe média brasileira acusando-os de serem os responsáveis pelos crescentes engarrafamentos das grandes cidades, neste caso a cidade era Florianópolis, tendo em vista que, segundo palavras do comentarista local, “agora todo o pobre tem o seu carro e divide as ruas das cidades com seu símbolo de ascensão social”.

Mas a velha classe média brasileira ainda pode se vangloriar e considerar-se exclusiva numa coisa: o “brasileiro data base 2013” não veem com o preconceito social incluso de fábrica.





















BIO

Thiago Muniz é colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor, do blog Eliane de Lacerda e do site Jornal Correio Eletrônico. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.




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