segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Imperatriz Leopoldinense x Máfia do Agronégocio (Por Thiago Muniz)

O índio estacionou no tempo e no espaço. O mesmo arco que faz hoje, seus antepassados faziam há mil anos. Se pararam nesse sentido, evoluíram quanto ao comportamento do homem dentro da sociedade. O índio em sua comunidade tem um lugar estável e tranquilo. É totalmente livre, sem precisar dar satisfações de seus atos a quem quer que seja. Toda a estabilidade social, toda a coesão, está assentada num mundo mítico. Que diferença enorme entre as duas humanidades! Uma tranquila, onde o homem é dono de todos os seus atos. Outra, uma sociedade em convulsão, onde é preciso um aparato, um sistema repressivo para poder manter a ordem e a paz”.

(Orlando Villas-Bôas, sertanista)

O Carnaval de 2017 ainda nem começou, mas já vestiu a fantasia da polêmica. Enquanto milhares de foliões começam a se cobrir de purpurina para ir atrás dos blocos do pré-Carnaval carioca, os senhores do mundo rural rugem furiosos a milhares de quilômetros daqui. 

A razão é o enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que, rompendo a norma não escrita de não apresentar temas muitos espinhosos, dedicará seu desfile às tribos do Xingu, em Mato Grosso, um parque indígena do tamanho da Bélgica. 

Apesar de se tratar de um território indígena protegido desde 1961, o entorno do parque não para de sofrer os impactos do desmatamento ilegal, dos agrotóxicos e da mega obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, construída no rio de mesmo nome, no Pará.

A letra do samba-enredo é uma homenagem à natureza e às tribos, e uma crítica ao homem branco que ameaça sua sobrevivência.

Jardim sagrado, o caraíba [referência ao homem branco] descobriu. / Sangra o coração do meu Brasil,/ o belo monstro [a hidrelétrica] rouba as terras dos seus filhos,/ devora as matas e seca os rios,/ tanta riqueza que a cobiça destruiu!”, diz a canção. Durante o desfile, haverá uma ala fantasiada de borrifadores de pesticida.

Os acordes caíram feito uma bomba para os poderosos representantes do agronegócio, que vestiram a carapuça e se autointitularem os salvadores de um Brasil em crise. Associações de pecuaristas, plantadores de cana e até de engenheiros agrônomos fizeram um estardalhaço em cartas públicas de repúdio. “A abordagem generalista proposta pela Imperatriz Leopoldinense sobre o produtor rural, sem separar o joio do trigo, é incorreta, injusta e inadequada, com a tendência tipicamente alarmista que é característica da linha de pensamento pseudoambientalista”, disseram os engenheiros agrônomos em sua nota. “O produtor rural brasileiro deveria ser reverenciado por estar salvando o país da bancarrota há décadas, ao representar, por sua competência, 22% do PIB e gerar 37% dos empregos do país”, acrescentaram os ofendidos em suas cartas. Outras manifestações do mundo rural foram bem menos comedidas.

Os responsáveis pela escola já nem se dão mais ao trabalho de ler os insultos que recebem desde que o enredo foi divulgado. “A polêmica deixou claro um enorme preconceito e racismo contra os índios e contra a escola”, lamenta o carnavalesco da Imperatriz, Cahê Rodrigues. “Nossa crítica se baseia no uso indevido de pesticidas que poluem rios, matam peixes e causam danos muito sérios na vida do ser humano, assim como outras agressões à natureza que levam os índios ao desespero. A escola nunca pretendeu ofender o agronegócio, foram eles que se sentiram aludidos.”

A polêmica chegou ao Congresso Nacional, onde o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), da bancada ruralista, propôs a criação de uma comissão temática para discutir o assunto, o que incluiria convocar integrantes da escola e investigar suas fontes de financiamento. Caiado acredita que a escola “denegriu” o setor e difamou quem deveria ser enaltecido. A direção da escola disse ao EL PAÍS que não há grande mistério em seus patrocinadores, já que o desfile conta apenas com verbas de incentivo da Prefeitura do Rio e da Liga das Escolas de Samba, além dos direitos de imagem pagos pela TV Globo.

A ousadia da Imperatriz é uma novidade num Carnaval que acabou sendo silenciado por seus patrocinadores, boa parte deles empresas, instituições públicas e Governos sem interesse em polemizar.

Até os anos 90, as escolas mantinham seus desfiles com o financiamento de seus beneméritos, os banqueiros do jogo do bicho, e de comerciantes das respectivas comunidades, mas, à medida que a festa foi crescendo, se tornou mais cara e impossível de ser bancada apenas com os recursos tradicionais. Entraram na passarela então os grandes patrocinadores para arcar com desfiles que, apesar da opacidade das cifras, podem chegar a custar oito milhões de reais por escola.

“As escolas sempre se caracterizaram por seu jogo de cintura e seu papel negociador para sobreviver. Num ano faziam um desfile crítico, mas isso não significava que no ano seguinte não pudessem homenagear quem tinha sido criticado anteriormente”, explica o historiador Luiz Antônio Simas. “Mas foi a partir daquela década que a visão empresarial se tornou muito mais presente”, acrescenta. A partir dos anos 90, deixou de ser obrigatório que os enredos versassem sobre assuntos da cultura nacional, e as escolas então começaram a vender seus desfiles. “Vendiam-nos a cidades com interesse turístico, que viam nos enredos uma excelente forma de se divulgar, mas também a companhias aéreas e até a empresas de laticínios. Transformaram-se em instrumentos de propaganda de massa, chapa branca”, explica Simas, coautor do livro Dicionário da História do Samba.

A tendência não passou despercebida ao público da Sapucaí. Há mais de uma década os amantes da festa mais famosa do Brasil lamentam a ausência de crítica social nos desfiles do Sambódromo. Perdeu-se a personalidade do discurso das escolas e a crítica a políticos e igrejas, bem como a denúncia dos preconceitos, das injustiças e da desigualdade social que marcam o país. “A crise criou agora uma situação em que os patrocínios começaram a cair, e as escolas voltaram a fazer enredos autorais, propostos pelo carnavalesco, e não por uma empresa. O que tampouco impede que no ano que vem a Imperatriz Leopoldinense faça um enredo a favor do agronegócio. Sempre se procurou o equilíbrio”, opina Simas.

Atualmente, o papel de denúncia acabou recaindo nas mãos e ritmos dos blocos de rua, bem menos engessados e mais irreverentes que os desfiles do Sambódromo. “O mundo rural despertou um gigante adormecido”, diz Rodrigues. “Com suas críticas eles revelaram o poder das escolas de aproveitar a festa para levantar bandeiras e tocar em assuntos polêmicos.”.



XINGU - O CLAMOR QUE VEM DA FLORESTA


BRILHOU… A COROA NA LUZ DO LUAR!
NOS TRONCOS A ETERNIDADE… A REZA E A MAGIA DO PAJÉ!
NA ALDEIA COM FLAUTAS E MARACÁS
KUARUP É FESTA, LOUVOR EM RITUAIS
NA FLORESTA… HARMONIA, A VIDA A BROTAR
SINFONIA DE CORES E CANTOS NO AR
O PARAÍSO FEZ AQUI O SEU LUGAR
JARDIM SAGRADO O CARAÍBA DESCOBRIU
SANGRA O CORAÇÃO DO MEU BRASIL
O BELO MONSTRO ROUBA AS TERRAS DOS SEUS FILHOS
DEVORA AS MATAS E SECA OS RIOS
TANTA RIQUEZA QUE A COBIÇA DESTRUIU

SOU O FILHO ESQUECIDO DO MUNDO
MINHA COR É VERMELHA DE DOR
O MEU CANTO É BRAVO E FORTE
MAS É HINO DE PAZ E AMOR

SOU GUERREIRO IMORTAL DERRADEIRO
DESTE CHÃO O SENHOR VERDADEIRO
SEMENTE EU SOU A PRIMEIRA
DA PURA ALMA BRASILEIRA

JAMAIS SE CURVAR, LUTAR E APRENDER
ESCUTA MENINO, RAONI ENSINOU
LIBERDADE É O NOSSO DESTINO
MEMÓRIA SAGRADA, RAZÃO DE VIVER
ANDAR ONDE NINGÚEM ANDOU
CHEGAR AONDE NINGUÉM CHEGOU
LEMBRAR A CORAGEM E O AMOR DOS IRMÃOS
E OUTROS HERÓIS GUARDIÕES
AVENTURAS DE FÉ E PAIXÃO
O SONHO DE INTEGRAR UMA NAÇÃO
KARARAÔ… KARARAÔ… O ÍNDIO LUTA PELA SUA TERRA
DA IMPERATRIZ VEM O SEU GRITO DE GUERRA!

SALVE O VERDE DO XINGU… A ESPERANÇA
A SEMENTE DO AMANHÃ… HERANÇA
O CLAMOR DA NATUREZA
A NOSSA VOZ VAI ECOAR… PRESERVAR!

























BIO


Thiago Muniz é colunista do blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor, do blog Eliane de Lacerda e do blog do Drummond. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.




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