terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O Fim da Ala dos Compositores (Por Vinicius Natal)

"As alas acabaram e a discussão é longa. Outra questão relevante é a perda das escolas de samba como espaços de composição dos chamados "sambas de terreiro". Se a produção de sambas-enredo diminuiu muito, a de sambas de terreiro está praticamente extinta. Poucas escolas ainda fazem concursos de sambas de quadra, com quase nenhuma repercussão fora da bolha. Algumas perguntas: as direções das escolas de samba estão dispostas a dialogar para pensar em democratizar as disputas? Interessa a alguém que as disputas sejam democratizadas? Existem maneiras de se impor controle de gastos nos concursos? É justo que sambas com redes de financiamento, lícitas ou ilícitas, formem palcos milionários, em detrimento dos demais concorrentes? Quem ganha dinheiro com as disputas? Como formar novos compositores? Está sendo feito sobre isso nas escolas mirins? Sambas encomendados matam alas de compositores ou só existem porque as alas de compositores morreram? Eu teria mais umas vinte proposições a fazer..." (Luiz Antõnio Simas)

Assistindo o bar apoteose do amigo Alex Cardoso, fiquei pensando.

Lembro muito bem que, quando eu era pequeno, frequentava diversas festas da ala dos compositores da Vila Isabel. Havia datas esperadas como a festa de natal, a entrega dos sambas que era bebemorada e compartilhada, os pagodes depois dos ensaios, as viagens à casa de praia de Irany Olho Verde, os passeios, os jogos de futebol entre casados x solteiros, os concursos de samba de meio de ano, o pagamento de mensalidade, a eleição acirrada da disputa entre as chapas para ver quem seria o presidente da ala - cargo respeitadíssimo - e, por fim, disputas de samba em que o samba, por si, contava - não é folclore, é real!

Hoje, o compasso não é mais esse...

As alas de compositores, enquanto núcleos de sociabilidade, acabaram. Vamos aceitar isso. Samba de enredo virou um quesito assim como casal de mestre-sala e porta-bandeira, comissão de frente, carnavalesco e a plástica, etc. Cada vez é mais comum a encomenda de samba em busca de um campeonato e de 40 pontos. Prática que, sejamos francos, tem nos rendido sambas incríveis.

Que se assuma isso como um dado concreto e se crie uma nova forma de resgatar a sociabilidade e divertimento de uma ala dos compositores, enquanto grupo coeso, ou vamos dar murro em ponta de faca. E aí todo mundo sangra, exceto os mesmos compositores mega talentosos - os quais conhecemos bem e,merecidamente, são os mais aplaudidos.

Vamos pensar aqui:

- As disputas de samba se modificaram sensivelmente com a entrada da indústria fonográfica nas escolas de samba. Pensar, então, de que forma o papel das produtoras e distribuidoras impacta nas relações de dentro de compositores da escola é uma tarefa urgente - sambas que rendem mais de 400 mil reais em um ano, quem ganha o lucro, a escola de samba que "sequestra" mais de metade do dinheiro do compositor e, até mesmo, as escolas que nada pagam. Afinal, o compositor não é um artista, assim como o carnavalesco?

- O número de sambas, na maioria das escolas, em uma disputa, é ínfimo. Tem escolas que tem 5 sambas pra disputar e a escola precisa ficar enrolando para não acabar cedo. É justo e correto enrolar uma disputa nesse nível?

- As torcidas, que antes eram pessoas da comunidade que torciam para seu samba sair vencedor, hoje são ônibus alugados de variados locais do Brasil para torcer, sem a mínima ligação com as agremiações. É pertinente isso para a escola de samba que queremos?

- Uma parceria de grupo especial gasta, aproximadamente, 100 mil para ganhar uma disputa. Logo, 100 mil reais é um dinheiro que se pode/deve investir em disputa de samba?

- As quadras ficam vazias em disputa de samba, na maioria das escolas, e há uma lenda que disputa dá lucro para escola. Será mesmo? O custo para abrir uma quadra em disputa é tão grande...

- Muitas escolas encomendam samba mas, para passar um ar de sobriedade, fingem ter uma disputa com o samba escolhido desde o início. Isso é honesto com o sambista?

Longe de ter certezas aqui, mas esse modelo de concurso está falido, assumamos isso... Mais importante que a disputa de samba, é se voltar para os milhares de compositores que amam suas agremiações e, hoje, não escrevem mais. Talentosos artistas da cultura popular que foram se afastando e, como o tempo é cruel, estão nos deixando, ressentidos, sem poesia.

Já joguei o jogo na minha escola e, cruelmente gastamos mais de 70 mil reais, sem patrocínio. 

Encarar os problemas é uma necessidade para a mudança e, creio eu, que os deuses do carnaval nos deram a oportunidade de sermos melhores. Não só por nós, mas por todos os poetas de samba do Brasil.

Que o "Não deixe o samba morrer" deixe de ser só uma canção, mas se torne uma prática cotidiana.

E que comece agora...

Foto: Acervo Alexandre Medeiros

Vinicius Natal é compositor, diretor cultural da Unidos de Vila Isabel, professor de História e mestrando em Antropologia pela UFRJ.










Nenhum comentário:

Postar um comentário